agosto 31, 2009

RONALDO DA COSTA

A criação de uma prova para crianças foi a forma que Ronaldo da Costa encontrou para lembrar uma data que foi esquecida pelo esporte nacional. O último sábado marcou o décimo aniversário do recorde mundial obtido pelo mineiro na maratona, mas se não fosse pela iniciativa do próprio Ronaldo nenhuma celebração seria feita para a data.

"Fui esquecido e ninguém lembrou até agora. Só você que resolveu me ligar e é o primeiro a falar disso comigo", revelou o ex-atleta em entrevista por telefone ao UOL Esporte, que não disfarçou a frustração com o total esquecimento. "Você fica chateado, pois deveriam respeitar o que já fiz pelo esporte brasileiro. Na hora, vem muita badalação, mas depois ninguém lembra", desabafou.

Ciente que o brasileiro não costuma valorizar o seu passado, Ronaldo da Costa fará então uma auto-homenagem. Neste sábado, ele organizará a Maratoninha Ronaldo da Costa, em sua cidade-natal (Descoberto-MG), com provas para crianças entre 4 a 14 anos. Os participantes serão divididos em cinco categorias com as distâncias variando de 50m a 1.000m.

"Já que ninguém lembrou, vou fazer minha festa na maratoninha. Estar com as crianças é o que gosto mesmo e também estarei com meus familiares lembrando desta data, que para mim foi o auge da minha carreira", destacou o ex-atleta.

Esta será a terceira vez que o mineiro promoverá um evento em Minas Gerais. Em 2007 e 2008 foram disputadas duas edições da Maratoninha Ronaldo da Costa em São João do Nepomuceno, cidade mineira onde o ex-atleta trabalha há três anos em uma associação atlética para ensinar o atletismo às crianças.

Para ele, a Maratona de Berlim terá sempre um espaço especial na vida. Em 20 de setembro de 1998, Ronaldo da Costa surpreendeu a todos, inclusive a ele mesmo, ao estabelecer o novo recorde mundial da maratona com o tempo de 2h06min05, melhorando em 45 segundos a marca anterior, que pertencia ao etíope Belayneh Dinsamo, que fez 2h06min50s em 17 de abril de 1988.

"Eu viajei para Berlim sonhando com o recorde brasileiro. No dia, eu sabia que estava bem preparado, mas foi muito além da expectativa. A partir dos 15km, o meu técnico me disse que poderia correr para 2h06min50, então passei a forçar um pouco mais o ritmo e consegui. Estava tudo ao meu lado, o clima ajudou, eu cheguei bem e pude fazer a minha história. Foi o auge da minha carreira, da minha vida, de tudo que vivi", lembrou emocionado.

Com o recorde, Ronaldo da Costa tornou-se o quarto e último representante do país a ser recordista mundial em uma prova do atletismo na história. Adhemar Ferreira da Silva teve a melhor marca do salto triplo na década de 1950, levando o São Paulo, seu clube, a homenageá-lo com a colocação de duas estrelas amarelas acima do escudo do clube em alusão a dois recordes obtidos pelo triplista. Posteriormente, na mesma prova, Nelson Prudêncio (na década de 1960) e João do Pulo (décado de 1970) também tiveram os recordes mundiais.

O feito de Ronaldo, porém, durou pouco mais de um ano, já que em 24 de outubro de 1999 o marroquino Khalid Khanouchi superou o tempo do mineiro em 23 segundos na Maratona de Chicago. Ironicamente, após o recorde, o maratonista jamais conseguiu repetir o brilho do evento em Berlim. "Tive muitos problemas particulares, lesões e não aguentei também lidar com a pressão que todos criaram. Aconteceu tudo de repente e não estava preparado para tudo que veio depois", admitiu.

Dez anos depois, o ex-atleta reconhece que pouco de seus sonhos foram realizados. Na época, Ronaldo da Costa acreditava que o recorde traria investimento ao atletismo e sua vida mudaria. "Pouca coisa mudou, mas não posso ficar lamentando. Minha vida na pista já passou e não me arrependo de nada", disse ele, que deixou as competições oficiais há dois anos.

Agora, o mineiro trabalha para trazer mais crianças ao esporte que o consagrou. Ele faz parte de um projeto social nas cidades mineiras de Betim e Contagem, ao lado de outros ex-atletas como Wander do Prado Moura (recordista sul-americano dos 3.000 m com obstáculos e atual secretário municipal de esporte de Contagem), para ajudar na renovação do atletismo.

O trabalho com atletas de alto rendimento, porém, está descartado para o ex-recordista mundial da maratona. "Não quero trabalhar com alto nível. Lidei com muitos atletas ingratos, que não davam valor aos seus técnicos e não quero passar por isso. Prefiro ficar com as crianças, formar o cidadão e se tiver algum talento passar para outras pessoas", justificou.

Fernando Narazaki
Em São Paulo